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um blog de desabafos, alegrias e tristezas, revoltas e euforias, o meu espelho, com uma (agora) pitada de diletantismo.

domingo, dezembro 19, 2004

Mãe, entrega isto ao Pai Natal 

O envelope era beje e o papel de carta tinha uma textura suave, um perfume de criança e desenhos coloridos nos espaços em branco.

«Querido Pai Natal,

Este ano gostava de ter um Mundo novo. Não digo "quero", como sempre, pois sei que é difícil. Mas gostava.

Gostava que os Países formassem um só continente e que só estragassem 10% do Mar, da zona mais feia e escondida. Gostava que o Presidente do Mundo proibisse a venda daqueles gases que fazem mal ao ozono e que queimasse todas as drogas que matam tanta gente. Gostava que o maior cientista do Mundo criasse vacinas e remédios para todas as doenças. Gostava que todos fossemos da mesma cor de pele, para que não houvesse brigas entre os menos tolerantes. Gostava que chovesse água potável e que das estradas de alcatrão nascessem sempre alimentos. Gostava que todas as manhãs tivessemos pendurado na porta um saco com dinheiro para aquele dia. Gostava que todos tivessemos a mesma crença para não haver guerras entre os diferentes fiéis. Gostava que os animais não fossem mortos, havendo para isso outros alimentos que não destruíssem o Mundo. Gostava que todos tivessem emprego para sentirem que valeu a pena ter estudado. Gostava que todos fossemos ricos para não haver aqueles que ajudam e não ajudam os pobres. Gostava que fosse Natal todos os dias para pedirmos isto tantas vezes até se tornar realizado.

Se tiveres tempo, Pai Natal, traz-me também uma poção mágica que mantenha sempre bem os meus pais, a minha irmã, os meus tios, os meus primos, os meus avós e os meus amigos, sem esquecer o coelhinho e a caturra.


Peço-te tudo isto, Pai Natal, porque assim, se tivermos de morrer com tornados ou terramotos (porque não podemos pedir a ninguém, nem mesmo a ti, que mande na Natureza), teremos a certeza que não será castigo por termos tratado mal o Mundo.


Obrigada, Pai Natal. Gosto muito de ti.»



Não tinha assinatura nem data. Era um desejo universal.
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quinta-feira, dezembro 16, 2004

Sensação ambígua 

Finalmente de férias. Finalmente motivada na faculdade, finalmente empenhada e agora finalmente cansada. Tinha saudades de me sentir útil, assim. Com esta sensação de mérito compensado (embora ainda sem saber as notas) que me permite gritar "finalmente!" por uns dias.

O Natal, na sua extensão entretanto alargada a dois meses em vez de dois dias, foi surgindo. Só agora porém posso parar para observar tudo, planear passeios na baixa, fazer contas para poder dar presentes a toda a gente, sentar-me à secretária e escrever um postal para os que estão longe e que estimo.

Tudo se repete e, aparentemente, se algo muda, é para pior. Cansam os anúncios dos telemóveis de terceira geração, com a beleza da neve e a cor das roupas que ninguém usa. Cansa a maldade (como lhe hei-de chamar?) daqueles que se aproveitam das palavras doces e infantis próprias desta época para as adaptarem aos slogans da Worten. Cansam as festas televisivas nos hospitais e nas prisões, que insistem em associar a beleza de espírito às estações com o objectivo último de subir as audiências. Pelo menos a ingenuidade de algumas vítimas nesses locais não lhes permite aperceberem-se da hipocrisia à sua volta.

Acredito que cada um de nós sinta individualmente o espírito desta época, com um sorriso sob um nariz encarnado do frio ao passear nas ruas iluminadas. O ambiente geral é no entanto muito diferente. Os sem abrigo continuam a existir e a viver sem abrigo, os doentes continuam doentes; e confundem-se quando se sentem felizes pelo apoio e tristes por ele só aparecer uma vez por ano.

Também eu queria fugir a estas convencionalidades. Queria ser como o meu Pai, do qual tenho tanto orgulho, em não dar nada a ninguém senão às 3 pessoas que mais ama na vida. Não passa mal visto por isso, porque se empenha em tantas outras coisas importantes. Mas também queria ser como a minha Mãe, de quem tenho o mesmo grande orgulho, em ter mais prazer em dar do que em receber. Em cansar-se para ser retribuída com um sorriso feliz das filhas, recordando-se do coração palpitante delas quando sentiam o Pai Natal a chegar pela varanda.

Hoje em dia já estou na idade em que sou invadida de sensações múltiplas, ora alegres, ora revoltadas, ora preocupadas, ora ainda um pouco infantis. Este ano terei comigo três elementos mais novos e queria ajudá-los a permanecerem nesse tempo em que o Natal ainda parece puro. Queria transportar para eles um sorriso... e queria que ele fosse sincero. Porque nestes tempos em que já sabemos tanta coisa de que antes nos poupavam, sentimo-nos perdidos. Queremos ajudar, perceber e partilhar o desespero, a frustração ou a desilusão dos que tão perto estão de nós. É esta a árdua tarefa: manter um sorriso sincero quando se sabe de tudo isto.

Sim, quero quebrar a fronteira entre o adulto e a criança, quero ajudar o adulto que aos poucos passa para o patamar inferior com necessidade de apoio. Mas sei que tenho de o conseguir sozinha; terei de mostrar a minha força, aquela na qual confio como já um pouco adulta, para amparar a fraqueza de todos aqueles que, durante estes quase 20 anos, sempre fizeram tudo para me proteger.

Quero ser uma criança adulta. Ter a inocência da vida lá fora e a maturidade de uma filha que cuida dos problemas dos Pais.

Não no Natal... mas sempre.
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segunda-feira, dezembro 13, 2004

Abalo 

Dizia a Maria João há dias, no seu fantástico blog, que o mundo moderno habituou os homens à ideia de que podem dominar e dominam o ar, o fogo, a água e A TERRA. Na altura julguei perfeitamente aplicável à nossa mentalidade.

Pois hoje, quando ali na cama vi as calças no armário a abanar, ouvi um ruído abafado e assustador em meu redor, e sob mim senti um piso frágil, o meu peito imediatamente palpitante e apavorado pensou (lá no mais resguardado canto do meu pensamento, camuflado pela minha palidez e petrificação) : não, não dominamos tudo.

O que somos nós no meio de um cenário de placas profundas que abalam zonas até 500 ou 600Km de distância? Impotência a nossa perante a força da Natureza...

Tenhamos respeito por ela.
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terça-feira, dezembro 07, 2004

Um papel e uma caneta... um monitor e um teclado 

O tempo, esse universo que nos domina e nos faz mover sem permissão para divagar, tem-me roubado o despejo da inspiração. Saturei, rendi-me e concluí: não vivo sem as palavras.

Recordo a minha infância, quando me ofereceram um quadro com giz. Lembro-me de como ficava enraivecida por não saber escrever e rabiscava no quadro o resultado dessa frustração. Riscos e riscos... Riscos que compensei mais tarde em perfumados diários com cadeado, em folhas soltas escritas por casa e pela escola (nos dias tristes), em folhas de avaliação que me faziam sonhar com o futuro que traço hoje (assustada), em diários simples nos quais descrevi todos os meus dias sem excepção, durante cinco anos...

Riscos que hoje não permitem que me solte tantas vezes, em riscos orais e riscos escritos. Tantas vezes esse tempo leva a minha mão a escrever o que não quero, que não me apetece!... E tantas vezes escrevo o que quero, soltando o que aprendi naquilo que não queria ter escrito...

Nos dias de hoje somos forçados a não escrever. Somos forçados a gesticular os dedos de duas mãos, ainda que eu tenha sido sempre destra, sobre este teclado frio e incolor. Não olho porém para ele, porque escrevendo não se olha para a caneta e sim para o papel, para as palavras que surgem em instantes. Olho para esta tela, este rectângulo em que as letras e as palavras são todas iguais, "standard", todas impedidoras de mostrar as letras redondas que escrevo quando falo de amor, as letras desalinhadas que escrevo quando falo de ódio... nada mostra o papel vincado pela força com que despejo a raiva no papel... em riscos...

Mas o tempo assim o quis, o tempo assim transformou as coisas. Não é por isso que deixo de falar sobre o amor e o ódio, escrevendo ou teclando... porque escrever é cada vez menos um acto isolado. Então escrevo e teclo com a alma, deixando que os outros descubram onde há vincos, onde há letra redonda ou desalinhada...

Porque escrever é difícil... e ler o que se escreve, ainda mais.

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