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um blog de desabafos, alegrias e tristezas, revoltas e euforias, o meu espelho, com uma (agora) pitada de diletantismo.

terça-feira, abril 26, 2005

Sem inspiração 

Falta-me o ar. E a justiça para dizer tal coisa.

Tenho aberto esta página muitas vezes, e sempre tenho desistido. Desculpo-me com a falta de tempo, tendo no entanto muito tempo quando comparo o meu estilo de vida ao de muita gente desse mundo. Não gosto de me esconder nesta organização exacerbada, nesta forma de levar a vida que me priva de tanto e de tantos, quando julguei até já me ter livrado dela. Queria conseguir escrever sempre que uma ideia me passa pela cabeça, mas na maioria das vezes não escrevo. Porque não consigo. Ou não posso. Li ontem que a blogosfera contrapõe veementemente o privado e o público, e talvez seja isso que me assusta. Custa-me sucumbir a este meu próprio desejo, este desejo de mostrar aos outros como sou, como me sinto, não sei bem porquê. E, todavia, não o faço... porque não consigo. Chama-se incapacidade, incompetência, falta de vocação.

Olho à minha volta neste dia onde o céu azul chega aos meus olhos como cinzento, e lembro-me que não sei valorizar as coisas. Queria não ser caprichosa e conseguir observar tudo; com um olhar prático, e não somente apreciador. Queria entender o que escrevo, aquilo em que penso, a razão pela qual escolhi o que hoje estudo - queria conseguir defender o estudo da Comunicação, esse fenómeno omnipresente e ao qual ninguém dá o devido valor. Queria dar o meu contributo, para que mo reconhecessem e assim finalmente eu conseguisse gostar mais de mim.

E porque ainda não alcancei essa competência para amadurecer o meu olhar e a minha escrita, para mostrá-la a este Mundo que se filtra num ecrã, subestimo-me novamente, e deixo para a próxima. Talvez um dia eu goste realmente do que escrevo...

Por agora desisto |

quarta-feira, abril 06, 2005

A sociedade vista pela praia 

O silêncio que caracteriza o cair da madrugada na minha casa urbana, a um domingo, torna-me muito vulnerável a pensamentos nostálgicos. Desta vez tive um empurrão do pequeno ecrã, sintonizado no canal GNT.

Tenho saudades do Rio de Janeiro. Recordo as particularidades da minha visita e constato hoje que uma turista de 15 anos nunca poderia absorver a filosofia de vida de quem vive numa "cidade com uma floresta dentro dela e a água banhando ela". Nesta noite de domingo consegui amadurecer o meu olhar. A procura obsessiva pela "estória" e certamente o conhecimento mais do que geográfico do terreno desta cidade tão peculiar permitiram ao jornalista responsável criar uma reportagem que eu arriscaria caracterizar como totalmente verosímil, e conquistadora por isso mesmo.

É perfeitamente legítima a sinédoque de tomar a praia como um espelho fidelíssimo do espírito carioca e em parte até brasileiro. O recorte da costa do Rio de Janeiro traduz de imediato a discrepância entre o muito pobre e o muito rico, mas simultaneamente a defesa pela igualdade entre todo o ser humano. Quer da favela que escorrega pelo morro, quer da mansão que nele encaixa com perfeição e segurança, é possível avistar a praia, admitindo com esse olhar que ela pertence a todos na mesma proporção.

Em todo o caso, e tal como na vida, a diferença de facto existe. A comunidade gay dirige-se para uma praia específica, onde os sorrisos parecem ser os mais sinceros. Um rapaz conta energicamente a sua história de vida. Ainda um "teen", tem já hoje o familiar peito de silicone, o cabelo comprido, o jeito feminino... mas a tristeza conformada de quem não tem dinheiro para mudar de sexo. Ao seu lado, a mãe declara com veemência: "Se não for eu a apoiar ele, ninguém mais vai apoiar". Ambos sorriem.

Também existem praias pequenas, escondidas, elitistas e sossegadas. Numa delas medita aquela jovem senhora que procura o seu interior enquanto contempla o mar com um olhar lacrimejado. A euforia do brasileiro não impede de todo a existência de momentos de solidão e de perda de identidade. E no entanto, mesmo na praia ao lado, onde a concentração humana quase provoca a asfixia e a surdez, uma mulher elege a praia como o único tesouro que vale por si mesmo, já que a sua vida está resignada ao infortúnio dos seus limites: "Para quem sabe que não vai conseguir ter nada nunca, vale mais deixar de sonhar, né?", lamenta. [Mas lamenta com um sorriso, como que dizendo em silêncio "ter vida vale mais que tudo isso". Além disso, "a gente já 'tá sendo filmado aqui, já tem alguma coisa de diferente p'ra alegrar nosso dia". Sim, o pobre brasileiro sabe ao que dar valor, e consegue, apesar de todos os contratempos desta contemporaneidade, ser optimista.]

Assim vai o Homem decalcando as suas diferenças sobre as baías que a erosão foi moldando. Mesmo onde o areal parece ser partilhado por todos é possível que a consciência de cada um determine que num "posto" estejam as "patricinhas" e os "mauricinhos" e que num outro fique "a galera que fuma maconha". Graças ao encontro de classes no sítio certo, a verdade é que um casal, visivelmente feliz, contava que o seu casamento teria começado num pedaço daquela areia. Casados há 20 anos, podem dizê-lo: "Estamos na praia até hoje".

Na praia do Rio de Janeiro a democracia é omnipresente. Ainda que a cidade mantenha uma íntima relação com a criminalidade, diz o democrata que naquelas praias "a única violência é a pequenez do biquini". Turistas francesas são mal vistas pela prática do "topless", porque naquela parte do hemisfério terrestre só o "bum-bum" é que se mostra.

A opinião é unânime entre a multidão que se veste de branco na última noite do ano. "A areia é a democracia. Aqui o ser humano está reduzido a um calção e a um chinelo". Boas entradas, cidade maravilhosa. Saudades. |

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