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um blog de desabafos, alegrias e tristezas, revoltas e euforias, o meu espelho, com uma (agora) pitada de diletantismo.

terça-feira, janeiro 11, 2005

A Nuvem 

Era branca e suave e o vento arrastava-a por aí. Reparou como o céu estava bonito em seu redor, o sol estava brilhante e iluminava tudo o que lá em baixo ela conseguia observar. Entravam raios por entre os pinheiros, para os lagos, fazendo os pássaros e os patinhos jogarem com as sombras. O seu Mundo ouvia-se, a Natureza estava harmónica hoje. Orgulhou-se de fazer parte dela.

O vento continuou a arrastar a nuvem e em pouco tempo deparou com algo estranho bem perto de si. Estranho e feio, sujo, cinzento. Conseguia avistar objectos bem pequeninos a moverem-se lá em baixo, mas o que via melhor eram pátios com máquinas, antenas, alguns até com helicópteros e homens de fato e gravata a saírem de dentro deles. Agachou-se um pouco para tentar ver melhor. Tanta coisa havia ali! Paralelepípedos altíssimos, uns com vidro, outros com pedra, e lá em baixo traços pretos perpendiculares uns aos outros faziam correr neles pequenos objectos amarelos.

"Béééééénnnnng!!!", ouviu de repente a nuvem, que a fez voltar à posição inicial num ápice. Com um olhar assustado sobre todo aquele cenário desejou que o vento a levasse depressa dali, ao mesmo tempo que se apercebeu da repetição constante daquele som por todo o lado. Uma outra nuvem ao seu lado, bem maior que ela e que não conhecia disse -lhe com um sorriso acalmante: "Vejo que és jovem... é normal que tudo isto te pareça alarmante. Mas não te preocupes: trazem-me para aqui muitas vezes e já me habituei. Estás a ver tudo aquilo que lá em baixo se move? São seres humanos ou coisas que eles construíram. Dizem que eles são como nós, seres pertencentes à Natureza. Portanto se eles aguentam tudo isto, tão mais de perto do que nós, então nós também aguentaremos. Há momentos mais difíceis, mas depressa passam."

Dito isto as nuvens olharam uma para a outra a perceberam que estavam mais próximas, ao mesmo tempo que uma espécie de pó subia na direcção delas e transformava tudo numa nuvem gigante, homogénea, bem mais cinzenta. A pequena nuvem ficou ainda mais assustada ao ver que se desintegrava no meio de outras nuvens e daquele gás esquisito. "Chamam-lhe o smog", explicou-lhe a nuvem maior. "Mistura nuvens bonitas como nós e este pó horrível que vem lá de baixo dos carros e também daqui mais de perto, de tubos grandes a que chamam chaminés".

A pequena nuvem estava prestes a começar a chorar de pavor quando realizou que o vento começou a arrastá-la com mais força. Ainda com um olhar incrédulo sobre todo aquela paisagem feia, que agora se afastava, nem deu conta que tinha voltado a ser só uma nuvem, separada daquela massa. Mas agora estava mais cinzenta, mais feia, mais triste. Sentiu-se cansada e procurou um lugar para parar por instantes a sua travessia, sentando-se por fim sobre o pico de uma pequena montanha. Mais aliviada, observou desta vez com mais atenção os pinheiros e os animais que lhe eram familiares. Porém o mau-estar continuava, e a pequena nuvem começou a tossir. Tossiu muito, lançando neve sobre os vales em seu redor. Uma neve doente.

E assim, mesmo os "seres humanos também pertencentes à Natureza", que ali provavam querer fugir da cidade suja, começavam a ser atacados pelo ambiente degradado.

Não, já ninguém escapa... em lado nenhum. E a nuvem nunca mais foi feliz.
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