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um blog de desabafos, alegrias e tristezas, revoltas e euforias, o meu espelho, com uma (agora) pitada de diletantismo.

sexta-feira, novembro 26, 2004

Fazenda 

Voava até ao interior do Brasil. Voava também para trás no tempo.

Tinha uma casa por minha conta, enorme, uma fazenda. Mobília de madeira escura, rústica, o chão rangente sob os meus pés, os tapetes bordados, bem como os panos sobre as mesinhas no corredor que tinham um pequeno altar de oração. As cortinas eram suaves e brancas - espreitava por elas, para a janela, e tocava os vidros soltos e frágeis, olhando o ar puro lá fora... magnificiente!

Os quartos não teriam mais do que uma cama alta, de colchão duro e colcha branca, uma mesa de cabeceira com um candelabro tapado e uma caixa de fósforos ao seu lado. No armário, de portas até ao tecto, guardaria os meus vestidos, suaves, de manga curta e saia até aos pés, e os meus chapéus bonitos.

A cozinha, secção quase separada da restante casa, teria muitas "sinhás" minhas amigas a preparar as refeições com gosto: separavam os feijões, o arroz, os legumes, o café, os cereais, o chocolate. Tudo genuíno, tudo em bruto, tudo virgem.

Ao passar pela sala sentiria um espaço frio. Não era desconfortável, porém. Muitos sofás, tapetes em pele animal no chão, em frente da lareira gigante ainda em cinzas da sua última utilização. Bustos de javali nas paredes, quadros campestres sem autor, vários candelabros sobre as várias mesas de madeira rústica. Sinto o chão ranger e saio pela porta principal.

Descendo as escadas veria toda a fazenda, com um verde monstruoso, que continuava para além da minha visão do horizonte. Ora caminhava sem rumo, colhendo malmequeres, correndo em direcção ao sonho do sorriso que esboçava e fazendo esvoaçar um dos meus vestidos... ora montava um cavalo, desistindo de tentar escolher o mais bonito, e cavalgava pelo campo fora, rasgando o vestido, sentindo o vento fresco bater-me na face. Cansada, sentar-me-ia sob um limoeiro, fechando os olhos e sentido o ruído da fauna e da brisa sobre as folhas.

Seria este um dia-a-dia ideal, a fuga para um outro mundo dentro do mesmo onde se viviam barbaridades ainda naquela altura. Com quem quer que fosse a conviver comigo nesta fazenda, sei que acordaria garantidamente mal o sol nascesse; e, antes da vivência de mais um dia, com afazeres na aldeia mais próxima ou simplesmente na lida da casa, sentar-me-ia todas as manhãs com um sorriso rasgado na mesa imperiosa da sala de jantar. Servir-me-iam café fresco, leite do dia, pão acabado de sair do forno, com compotas confeccionadas pela sinhá mais experienciada, sumo de frutas frescas, bolos de diversos sabores...

Poderia até ser uma jovem professora a leccionar a escrita e a leitura na única escola da aldeia, aos meninos das fazendas mais próximas. Seguiria assim a minha rotina, acompanhada pelas minhas amigas negrinhas no caminho de coche até casa, fechando-me com elas no quarto e descrevendo o homem por quem me apaixonara, contando peripécias que culminariam numa gargalhada ingénua. As diferenças entre as pessoas estariam estipuladas sem que eu pudesse impedi-lo, mas lidaria sempre com todos de igual forma. E estaria apta a viver num mundo diferente daquele em que vivo hoje.

Cabocla. Sonho com isto.
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